sexta-feira, 27 de julho de 2012

Valério Brittos: uma morte para provocar reflexões


Há pouco compartilhei uma foto tua, meu caro amigo e imortal, Valério Cruz Brittos. Obstinado. Talvez esse seja o único adjetivo capaz de se aproximar de ti, do teu estilo de vida acadêmica. Não tenho nenhuma notícia da tua vida pessoal. Porém, academicamente o parco contato que tivemos serviu para você me incentivar tanto a ponto de enviar um artigo para o Alaic 2012. Foi a minha estreia internacional como pesquisador em Montevidéu. Você tinha a Economia Política da Comunicação até nos sorrisos que trocávamos, nas boas conversas que tivemos, eu, você e César Bolaño, nos corredores da Universidade Federal do Pará ou nas saídas para almoços juntos, por ocasião do Alaic Bacia Amazônica. Era outubro de 2011. Você me passou o livro “Economia política da Comunicação: convergência, tecnologia e inclusão digital”, por ti organizado, com a seguinte dedicatória: ”Ao Gilson, convidando ao diálogo”. Aqui outra face da tua obstinação: o diálogo. Um obstinado pelo diálogo sem nenhum tipo de preconceito em relação às pesquisas em Comunicação desenvolvidas no Norte. Sei que farás imensa falta ao Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos) do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Valério, cara! Ninguém conseguia passar imune a um contato com você. Saía dele convencido da necessidade do diálogo e possibilidade de se articular um novo ensaio, artigo ou livro. Poucos conseguiram encarnar o espírito dessa Pós-graduação brasileira que nos consome com índices, artigos, livros autorais, livros organizados, capítulos de livros e quetais. De repente, no início da manhã de hoje, recebo um e-mail do professor Adilson Cabral informando a tua morte. Um choque! Morres aos 48 anos, no auge da produção acadêmica. Até nessa hora, Valério, consegues ser professor. Quando completamos 70 dias de greve por melhores condições de trabalho e contra esse modelo produtivista que nos foi imposto, pensei: mais uma vítima desse sistema que nos mói. Nos mata mais rapidamente a cada dia. Será mesmo necessário entrar nessa roda-viva da produtividade, dos Qualis, dos índices baseados em capítulos de livros e artigos publicados? Sei que cada atividade que tocavas era com imenso prazer, entrega e obstinação. Viver intensamente a academia pode ser uma opção. Morrer em função dessa intensidade, porém, não deve ser uma obrigação coletiva. Penso até que é melhor viver intensamente 48 anos que passar pela vida, durante 100 anos, como uma nulidade. Você marcou época. Mas se foi! E cedo demais! Será que temos o direito de nos matar dia-a-dia nessa máquina de moer cérebros da avaliação quantitativa brasileira? Tua morte, Valério, me fez refletir mais profundamente sobre esse estilo de vida acadêmica. Talvez o mais coerente seja pisar no freio, diminuir a intensidade dessa produção, dessa produtividade, e tentar viver mais. Teu sorriso doce e tua amizade me farão refletir sobre os rumos da minha vida. Teu convite ao diálogo me comoveu só agora, no dia da tua morte. Talvez porque, a partir de agora, não tenha mais chance de fazê-lo diretamente contigo. Não posso mais abraçá-lo de novo. Nem trocarmos ideias e fazermos planos de parcerias. Tua morte, porém, meu recente amigo, será um marco para mim, cada vez que tiver de dizer “sim” a um novo projeto. Talvez, a partir de ti, da tua partida, eu tenha de aprender a dizer mais “não” que “sim”. Para poder dizer “sim” a uma vida acadêmica mais saudável! Descanse em paz amigo! E que tua dedicação obstinada à área nos motive a olhar criticamente para esse modelo que nos mata lentamente.
Foto compartilhada do Facebook de Bruno Lima Rocha

Se você ainda não leu a “Carta aberta ao secretário Sérgio Mendonça”, cliquei aqui, leia e replique. Todos precisamos refletir sobre o problema. Juntos!

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Um comentário:

  1. Caro Gilson,

    Fiquei muito triste com a partida de Valério. Um colega muito simpático e generoso. Estamos todos de luto. Um grande abraço.

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